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Por que elegemos idiotas?

A experiência mostra que a probabilidade de encontrar um candidato inteligente e eficaz eleitoralmente é baixa aqui e no mundo
 (Ueslei Marcelino/Reuters)
(Ueslei Marcelino/Reuters)
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Celso ToledoPublicado em 26/03/2018 às 12:03.

A habilidade de estabelecer um vínculo com eleitores arredios à política, focados no curto prazo e profundamente ignorantes sobre a natureza dos desafios e dilemas existentes é um dos principais atributos dos candidatos vitoriosos, se não for o principal.

Por incrível que pareça, cultura e inteligência não são traços indispensáveis para isso. É possível que sejam um ônus, pois até os candidatos que parecem ter alguma lucidez tendem a se comportar como paspalhos nas campanhas, sugerindo que razoabilidade afugenta o eleitor.

O fato é que a experiência tem mostrado que a probabilidade de encontrar um candidato que seja ao mesmo tempo eficaz eleitoralmente e apto a ser um bom presidente é baixa aqui e no mundo.

Como explicar essa propensão do ser humano a escolher representantes incapazes?

Uma hipótese é a de que somos irracionais. Preferimos políticas erradas e votamos em candidatos que as oferecem. A grande maioria acredita, por exemplo, que “criar trabalho” é uma excelente ideia quando, na verdade, o progresso implica “poupar trabalho”.

O esforço de criar trabalho improdutivo ou remunerá-lo acima da produtividade com o dinheiro da viúva explica, por exemplo, o desperdício de recursos com o enorme exército de cupins do serviço público. Ajuda a entender também alguns absurdos que mantém o “Custo-Brasil” elevado. Arrisco dizer que esta é a fonte de nosso atraso.

Não custa lembrar que já tivemos um ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação avesso ao progresso técnico por conta de seus efeitos poupadores de mão-de-obra. É plausível supor que esse e outros vieses possam distorcer as preferências do povo em direção a candidatos que ofereçam políticas ruins pela “esquerda” ou pela “direita”.

Outra avenida para entender o nosso fetiche por políticos inaptos é presumir que o eleitor não escolhe na verdade seus programas, mas usa o voto para marcar posição. Opta por um candidato para protestar contra alguma coisa, por afinidade ou para fazer um tipo porque sabe que seu voto vale pouco e que o custo da irracionalidade é baixo (veja a coluna da semana passada).

Temos então, de um lado, o eleitor irracional e/ou propenso a usar o voto para mostrar “atitude” e, de outro, políticos dispostos a fazer de tudo para chegar ao poder num campo de jogo em que as informações fluem sem filtros de qualidade.

Nesse angu não é difícil explicar o sucesso de candidatos incompetentes que dizem os chavões que o eleitor quer ouvir ao mesmo tempo em que se esmeram na construção da estampa ideal com a orientação de marqueteiros especialistas.

Essas interpretações originadas no campo das ciências política e econômica ajudam a entender a realidade, mas não são plenamente satisfatórias por conta de uma lacuna. Por que os candidatos mais competentes e inteligentes não copiam o discurso fácil e projetam uma imagem para agradar o eleitorado apenas para serem eleitos? Seria simples aplicar depois uma espécie de “estelionato do bem” para poupar o eleitor de sua cegueira, fazendo o necessário para o país progredir.

De início, o eleitorado não gosta de estelionatos. É difícil varrer para baixo do tapete promessas de campanha absurdas como mostra a experiência recente dos EUA.

Além disso, é possível também tapar o buraco enveredando pelo campo da psicologia. O neurocientista britânico Dean Burnett, autor do livro “The Idiot Brain” (O Cérebro do Idiota, em tradução livre), emprega esse conhecimento para ajudar a entender porque é preciso ter (muita) sorte para eleger um sujeito lúcido que apenas finge ser idiota.

As evidências mostram que pessoas que se comunicam com segurança inspiram confiança e, portanto, têm mais chance de ter sucesso na política. O problema é que a confiança é também um traço das pessoas menos inteligentes, pois falta a elas a habilidade de reconhecer as próprias limitações. Trata-se aqui de um viés cognitivo conhecido em psicologia por efeito Dunning-Kruger.

Outro aspecto perverso desse efeito é que os indivíduos inteligentes tendem a dar por garantido que tarefas que a eles parecem simples são também fáceis aos demais. Ou seja, a fatia esclarecida da população menospreza o potencial destrutivo dos pascácios – tema que abordei neste espaço ao analisar o futuro do Brasil à luz das ideias do economista italiano Carlo Cipolla.

A soma da incapacidade metacognitiva das pessoas intelectualmente limitadas, mas resolutas, com a indiferença das camadas sensatas complementa as outras teorias para explicar a frequência elevada com que indivíduos desqualificados galgam os postos mais altos, corroendo a democracia no mundo e, pelo andar da carruagem, no Brasil.

O ponto é que políticos confiantes que parecem ser estúpidos frequentemente são estúpidos mesmo – por incrível que pareça. Além disso, os candidatos inteligentes cedo ou tarde titubeiam em um jogo que premia a estupidez. Isso pode ocorrer quando qualificam uma resposta, ao concederem um ponto ao adversário, ao explicitarem os dilemas, ao dizerem que as coisas não são fáceis mesmo, que é preciso fazer sacrifícios, avaliar o custo e benefício das políticas, etc.

Daí a dificuldade de produzir um candidato sólido apto a ser também um bom presidente. Para ganhar uma eleição, é preciso convencer o eleitor de que é possível corrigir o rumo sem custos e rapidamente. Ninguém melhor do que um sujeito que realmente acredita que isso é possível. Diga-se, aí reside a força da esquerda latino-americana.

A visão predominante é a de que o bom senso prevalecerá em outubro. Ouço que o brasileiro teria “amadurecido” com a crise. Ademais, qualquer governo que assumir no ano que vem obrigatoriamente terá que encaminhar as reformas necessárias. De resto, afirma-se que é tolice acreditar em pesquisas de intenção de voto nesse momento porque o que vale mesmo é a estrutura partidária e tempo na TV.

Será?

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